Em Osaka, habitava um excêntrico monge zen-budista de nome Ikkyu Sojun 一休宗純(1394-1481), sujeito que preferia os bordéis aos monastérios, o samba de roda aos sutras sagrados. Tudo, porém, com razão de ser. De acordo com o monge, era nos corpos suados e nas garrafas de saquê que descobria virtude em meio ao vício.
Certa vez, Ikkyu visita a cortesã Jigoku Dayu 地獄太夫, famosa pela erudição e incomparável beleza. A jovem pede que a ele sejam servidos pratos vegetarianos, em concordância com os votos monásticos. O santo homem, porém, solicita uma carpa — e doses pornográficas de saquê. Ato contínuo, Ikkyu se levanta para farrear com outras moças, momento em que Jigoku Dayu deixa o aposento decepcionada.
Instantes depois, a cortesã percebe estranhas sombras projetadas nas portas corrediças. Ao espiar por uma fresta, testemunha o monge festejando em meio a esqueletos. De madrugada, um trôpego Ikkyu rasteja até a varanda e vomita no lago do jardim a carpa de outrora — ainda viva.
Jigoku Dayu compreende estar na presença de um indivíduo ímpar e o indaga sobre a vida.
“O que é a existência além de um sonho?”, responde Ikkyu. “Nos despediremos deste mundo na forma de esqueletos. Não somos senão esqueletos recobertos de pele e desejos mundanos. Após o suspiro derradeiro, a pele se desfará e os desejos expirarão. Homens e mulheres, velhos e jovens, todos são iguais.”
Título: Jigoku Dayu 地獄太夫 (1874)
Artista: Kawanabe Kyosai 河鍋暁斎 (1831-1889)
Imagem: Jigoku Dayu godo no zu 地獄太夫悟道乃圖
Série: Shinken sanjurokkaisen 新形三十六怪撰 (1889)
Artista: Tsukioka Yoshitoshi 月岡芳年 (1839-1892)
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