É madrugada, parece estar tudo normal, porém uma criatura com aspecto de urso, preta igual saco de lixo, morde o coque de uma jovem inocente. Três homens acorrem e trazem consigo armas de fogo, alabarda e catana, iluminando o dan-top satânico com uma gando 龕燈, lanterna de cobre cônica com uma vela no interior. Funcionava até que bem, a lanterna, mas longe de ser o farol de milha representado na imagem.
A entidade é um kamikiri 髪切り, assombração yokai 妖怪 mais conhecida pela aparência de inseto e mãos em pinça, associação fortalecida pela semelhança do nome com kamakiri 螳螂, louva-deus, bicho antissocial (e carnívoro) que parece sempre prestes a atacar com suas patas frontais similares a foices.
O cabelo é significativo na cultura japonesa. Longos e exuberantes, transmitiam beleza, sensualidade e riqueza. Ao se ordenarem monges e monjas, homens e mulheres raspavam a cabeça, símbolo de renúncia ao mundo material. O genpuku 元服, por sua vez, era a cerimônia de passagem para a vida adulta em que o garoto tinha as mechas cortadas. Durante o período Edo 江戸時代 (1603-1868), o cabelo revelava informações importantes acerca dos indivíduos e variava de acordo com idade, posição social e profissão.
Assim, ser atacado por um kamikiri poderia se revelar uma experiência traumática, física e psicologicamente.
Imagem: Kamikiri no kidan 髪切の奇談 (1868)
Artista: Utagawa Yoshifuji 歌川芳藤 (1828-1887)
postagem em parceria com @pictures_of_the_floating_world
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