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O lado obscuro do amor, parte 2

Ah, os aplicativos de relacionamento! Todos agora se tornaram exploradores, adoram estar em contato com a natureza, embora há anos não percorram uma trilha. Anseiam pela alma gêmea, porém são incapazes de permanecer em silêncio com os próprios pensamentos. Que alicerces são esses? Volte-se para si antes de voltar-se ao outro. Desinstale aplicativos, desmarque encontros, desapegue-se de comédias românticas que reverberam mentiras. Saia para jantar e sente-se consigo. Não está à vontade? Ótimo, é no desconforto que ocorre o crescimento. O silêncio, que você tanto busca preencher com a voz alheia, quer dizer algo.

Observe os casais, sempre a controlar, conceder e negociar. “Não poderei comparecer, meu parceiro desgosta do lugar”, “Abandonei o projeto, meu parceiro considera arriscado”, “Não posso mais ser quem sou, meu parceiro prefere a versão inexistente de mim”. Soa severo, mas a verdade deve ser dita. Amor não é o mostrado em filmes, feito de gestos grandiloquentes e alinhamentos milenares. Demanda esforço árduo e contínuo. E, caso não se ame primeiro, você não está apto para a tarefa.

Ao estar só, cada decisão cabe a você, cada conquista é pessoal, sem a necessidade de acordos, justificativas ou desculpas por escolher um caminho incompreensível ao outro. Você não está em defasagem, mas em vantagem. Enquanto brincam de casinha, você constrói um império. Enquanto se afogam em picuinhas dramáticas, você adquire maestria. Enquanto se desgastam em tentativas vãs de modificar o parceiro, você se encontra em plena metamorfose. A cama vazia, complete-a com livros. As tardes solitárias, ocupe-as com objetivos. O coração oco, preencha com propósitos.

A pessoa certa não deve completá-lo, mas elogiar a obra-prima que você já é. Deixe de considerar a solidão uma doença que necessita tratamento e tome-a por uma oportunidade de se tornar tão pleno que prescinda da aprovação alheia, tão grandioso que não disponha de tempo para discussões que apequenam. Amar não é lapidar o outro, é lapidar a si — e não poderá fazê-lo caso terceirize padrões e medidas.

Observe a natureza. A borboleta encasulada se transforma sozinha, o mesmo para a pérola encapsulada. As modificações mais importantes ocorrem na solidão. Seu mérito não é pautado por relacionamentos, mas por objetivos conquistados e limites estabelecidos, que deságuam em paz interior. Nada que demande atualização de status em redes sociais. Você não está em déficit por estar solteiro, a vida não passará em brancas nuvens por não compartilhar a vida com alguém comprometido até a página três.

O lado obscuro do amor afeta sonhos e desfaz amizades, compromete longos anos a tentar consertar o que sequer estava quebrado, gera crises de identidade ao terminar e arrependimento por não haver focado em si. Cada minuto desperdiçado em questionamentos fúteis poderia ser investido na construção de uma existência tão maravilhosa que a solidão se torna uma escolha consciente, não uma circunstância temida.

Almeja amor? Comece com o próprio. O verdadeiro, não a versão comercial que encolhe o amor próprio a banhos de banheira, mudanças de corte de cabelo e tratamentos estéticos. É encarar-se no espelho e detectar o que necessita aprimoramento. É tomar decisões difíceis, por vezes incompreensíveis aos demais. É escolher-se, mesmo que implique solidão.

Há abundância de peixes no mar, contudo a maioria se contenta em nadar em círculos, por demais amedrontada e dependente para buscar alternativas. Não seja um peixe no cardume, seja o tubarão que reconhece o próprio valor, trilha o caminho pessoal e não se assusta com a solidão. Sua felicidade é por demais valiosa para ser terceirizada, sua paz preciosa para ser negociada, seus sonhos importantes para serem diluídos, seu tempo raro para ser malgasto em amores mornos e medíocres.

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