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Esvaziar o conflito dualista

Atualizado: 5 de ago.


A melhor maneira de superar um conflito será sempre através do conhecimento direto de suas raízes. Assim, se conseguirmos olhar para dentro de nós mesmos com olhos bem atentos, veremos que é em nossa própria mente que o conflito dualista nasce e cresce. Porque a chamada realidade, como se sabe, não é estática, tem equilíbrio dinâmico e, por isso, só existe no fluir constante, como as águas de um rio. Por isso, o dualismo (certo-errado, bem-mal, positivo-negativo, grande-pequeno, jovem-velho, alegre-triste) está sempre e somente dentro de nós. O dualismo, o conflito não é nada mais que a maneira com que vemos a realidade. E assim, tanto podemos ver a realidade como um todo único e indivisível, onde os chamados opostos se fundem, se completam, como podemos vê-la dividida: o bem absoluto, o mal absoluto. O sujeito absoluto, fechado nos limites de sua pele. O objeto absoluto, sendo tudo aquilo que existe fora de nós, tudo o que não é a gente. Nossa mente pode trabalhar das duas maneiras. É tudo questão do condicionamento formado a partir do conceito que nos ensinaram a ter da realidade. É importante esclarecer que não se trata somente de abandonar uma maneira de ver a realidade (uma multiplicidade de fenômenos divididos em positivos e negativos, bons e maus, úteis e inúteis) e passar para outra (um todo monolítico e sem polos de vibração). Isso seria cair em outro dualismo. O dualismo entre o um e o múltiplo, entre a multiplicidade de fenômenos e o vazio, entre o que o budismo chama de sansara e nirvana.

Não termos uma visão dualista. Não termos conceitos opostos dentro da nossa mente. E, para isso, o básico é não termos nenhum conceito da realidade. Na hora em que nasce um só conceito, uma só ideia sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre qualquer coisa, na mesma hora surge o seu oposto. Assim, se desenvolvemos (após um acontecimento maravilhoso ou por simples apego ao otimismo) uma visão só alegre e feliz sobre a vida, teremos criado ao mesmo tempo o seu oposto, porque só pode haver uma ideia, uma visão de felicidade se tivermos também consciência de que existe a infelicidade. Um conceito só existe em oposição ao outro. E, ao alimentarmos uma visão de felicidade, estaremos também alimentando o seu oposto. E nossa mente ficará dividida entre o apego de ser feliz e o medo de ser infeliz.

O importante é não prender a mente a nenhum pensamento. Seja um pensamento positivo, seja um pensamento negativo. E isso é muito diferente de não pensar, de tentar bloquear os pensamentos. Pensar é uma atividade normal da nossa mente. Mas parar o pensamento, apegar-se a um pensamento é que cria o conflito dualista. Apegar-se a uma ideia positiva ou negativa sobre nós mesmos ou sobre fatos externos é a doença da mente. Mas deve-se ter cuidado para não ficarmos apegados à classificação dos pensamentos em positivo e negativo.

Evitar apenas o apego aos pensamentos, sejam negativos ou positivos.

Ficar bem relaxado e ao mesmo tempo bem atento. Mas não ficar atento a um objeto, a uma ideia. Ficar apenas atento ao ato de estar atento. Atenção sem objetivo. Atenção pela atenção. Não ficar preocupado com ideias, com conceitos de dualismo ou não-dualismo. Simplesmente perceber quando a mente está se apegando, quando o pensamento está agarrado a alguma coisa ou ideia. Então relaxar, ficar atento e procurar readquirir o estado de concentração, de silêncio interior onde não há nenhum apego.


Nelson Coelho, Zen: experiência direta de libertação (Itatiaia, 1978)

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