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Amor de mãe


Fato ocorrido no período Tang (618-907) chinês. Sob o portão oeste da capital, jazia um rapaz miserável. Tu Tze-chun o seu nome.

“Em que pensa, meu jovem?”, perguntou um ancião em trânsito.

“Que não tenho onde passar a noite.”

Assim, o velho indicou-lhe um local que, descobriu Tu Tze-chun, escondia grande quantia de ouro enterrada. O então indigente se tornara o sujeito mais rico da região. Comprou uma mansão e se entregou a uma vida de luxo digna do imperador. Os cidadãos de bem, que antes sequer lhe acenavam, agora aproveitavam da sua súbita riqueza. Tu Tze-chun, por sua vez, adorava a bajulação.

Vem fácil, vai fácil. Após anos de ostentação, não lhe restou uma moeda sequer. O portão oeste voltou a abrigar o jovem. Como antes, o ancião surgiu e lhe indicou a localização de um tesouro. Desfecho idêntico. Pela terceira vez, Tu Tze-chun se encontrava entregue às baratas.

O velho estava prestes a lhe apontar mais fortunas enterradas, porém Tu Tze-chun o conteve.

“Chega, minha paciência com as pessoas acabou. Basta perder o dinheiro para me tornar invisível. Você é um eremita, não? Posso me tornar seu discípulo?”

O ancião aceitou. Com o intuito de refinar seu espírito, rumaram a uma montanha sagrada, onde fez o rapaz sentar em uma rocha.

“Demônios aparecerão e tentarão enganá-lo. Não lhes diga uma palavra sequer. Céu e terra podem rasgar: permaneça mudo.”

Dito e feito.

“Quem é você? Responda, ou prepare-se para morrer”, ameaçaram as criaturas. Dada a mudez de Tu Tze-chun, este foi atirado nas profundezas do inferno, onde o regente Yama o submeteu a toda sorte de torturas. Os lábios de Tu Tze-chun, contudo, mantiveram-se selados.

Em seguida, dois magros cavalos foram trazidos à sua presença. Ao olhá-los, Tu Tze-chun sentiu as entranhas se retorcerem. Mesmo com traços equinos, distinguiu os falecidos pais.

“O que fazia na montanha sagrada? Confesse! Caso contrário, quem sofrerá serão eles”, esbravejou Yama.

Com chicotes, os demônios vergastaram os cavalos sem piedade, cortando pele e músculos.

“Seguirá calado? Prefere testemunhar o sofrimento dos pais a renunciar os sonhos?”, vociferou o monarca.

Naquele instante, um arremedo de voz chegou-lhe aos ouvidos.

“Não se preocupe conosco... Queremos apenas a sua felicidade...”, sussurrou-lhe a saudosa mãe.

Nesse momento, esquecido do juramento, Tu Tze-chun correu até a mãe e, entre lágrimas, gritou seu nome.


Como se despertasse de um pesadelo, encontrava-se novamente sob o portão oeste, agora banhado pelo sol poente.

“Caso permanecesse em silêncio, seria eu quem lhe tiraria a vida”, disse o ancião.

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