Criada em 1819, a imagem apresenta o inusitado encontro entre um demônio com pele de chiclete e músculos de hidrogel, um pavão majestoso e outro nem tanto, dois alegres leões chineses, um gato fissurado e um besouro dourado.
Onipresentes no folclore, os oni 鬼 são representados corpulentos, com chifres e presas salientes, mãos em garra, clava e tanga fundoshi 褌 confeccionada com pele de tigre. Os demônios costumam ser caracterizados de forma torpe, encapsulando tudo o que coloque em risco a sociedade.
Os pavões 孔雀, por sua vez, foram importados do continente e logo se tornaram populares na arte, símbolos de beleza, elegância e imortalidade. Bastante estimadas, suas penas eram utilizadas na fabricação de leques e biombos.
Já os shishi 獅子 ou komainu 狛犬 são seres míticos dotados de poderes sobrenaturais, tradicionalmente dispostos na entrada de templos e santuários. É costume um se encontrar com a boca aberta e o outro fechada, representação do a-un, em que a あ é o primeiro e un ん o último som do alfabeto japonês, metáfora para o início e o fim, nascimento e morte, luz e sombra e todos os contrastes possíveis na dança cósmica da existência. A boca aberta também cumpre a função de assustar e afugentar os maus espíritos, enquanto a boca fechada protege e acalenta os espíritos bons.
Por fim, os gatos 猫. Apesar de a sociedade japonesa conviver há muito com raposas e tanukis, os bichanos, originários de terras distantes, detinham mística particular. Junte a isso os hábitos noturnos, a capacidade de alongamento que desafia as leis da física, a habilidade para se deslocar sem emitir sons, as pupilas que mudam de formato conforme o humor, os choques emitidos quando acariciados, o desprezo aos tutores, a tendência a lamber sangue, as unhas retráteis e os dentes pontiagudos — eis a receita para uma criatura mágica.
Artista: Utagawa Kunisada 歌川国貞 (1786-1865)
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