Kinokuniya Bunzaemon, o pitoresco multimilionário do período Edo
- c33editora
- 5 de mai.
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No final do século 17, o todo-poderoso comerciante Kinokuniya Bunzaemon (1669-1734) visitou um templo acompanhado de amigos quando um depauperado camponês se acercou do grupo e pediu a Bunzaemon que rogasse por chuva. “A estiagem já se prolonga por tempo demais”, explicou. “E é sabido que os deuses destapam os ouvidos para os ricos.” Bunzaemon concordou, uniu as mãos em oração e, instantes depois, nuvens negras se avolumaram no céu.
Bendita mikan
Filho de um mercador da província de Kii, atual prefeitura de Wakayama, Bunzaemon iniciou sua fortuna com o comércio de mikan, cítrico aparentado com a laranja e a tangerina. Em determinado ano, as colheitas foram tão abundantes que o valor da fruta despencou na região, o equivalente não acontecendo em Edo, onde o preço disparara dada a escassez decorrente do bloqueio da passagem marítima entre Kii e a capital devido a fortíssimas tempestades. Onde os demais viam transtornos, porém, Bunzaemon enxergava cifrões. À época, a capital se preparava para o Fuigo Matsuri, festival dos foles, e ferreiros tinham por tradição atirar mikan dos telhados em homenagem a Inari, divindade padroeira dos arrozais, o que elevou ainda mais a cotação do cítrico. Bunzaemon, então, cuidou de abarrotar uma velha embarcação com mikan e contratou um grupo de marinheiros camicases para atravessar as águas revoltas.
Aportou em Edo com a carga intacta e tornou-se obscenamente rico da noite para o dia.

Milionários éticos? Nem no Japão antigo
A saga das mikan foi apenas o desabrochar das boas graças de Bunzaemon. Sua próxima grande empreitada aconteceu quando Osaka padecia de uma galopante epidemia. Na ocasião, Bunzaemon estava alocado em Edo e, tão logo se inteirou das desgraças na região oeste da ilha principal Honshu, imediatamente adquiriu a maior quantidade possível de salmão em salmoura e despachou emissários para Osaka para disseminar rumores de que o consumo do peixe proporcionava curas milagrosas, de modo que, quando chegou na cidade, o estoque foi vendido em questão de dias.
Bunzaemon ainda fez fortuna ao investir em madeira e no ramo da construção, graças a contratos governamentais obtidos mediante subornos. O sujeito era famoso pelas abundantes festas promovidas em luxuosas embarcações no rio Sumida, onde oficiais do xogunato se esbaldavam na companhia de gueixas e prostitutas. Durante tais excursões, dizia-se que Bunzaemon apreciava atirar nas águas taças revestidas de ouro e laca para, quem sabe, serem recuperadas por algum empobrecido cidadão correnteza abaixo.
O rei dos bordéis
Bunzaemon adorava garotas de programa. Frequentador do distrito dos prazeres de Yoshiwara, na capital, o sujeito costumava promover festas que atravessavam noites e consumiam cada prato de comida, cada garrafa de álcool e cada prostituta disponível. Certa vez, Bunzaemon acordou com o desejo de possuir toda Yoshiwara por vinte e quatro horas, o que realizou mediante acordos e negociações. O grande portão de entrada foi trancado e o comerciante passou o dia na companhia de conhecidos, lautos banquetes e milhares de garotas à escolha.
Os concorrentes de Bunzaemon caçoavam da sua obsessão por sexo remunerado, sob a prerrogativa de que, com dinheiro, tudo se obtinha. Decidido a provar estarem errados, o mercador mais uma vez alugou todo o distrito dos prazeres e convidou três dos seus maiores críticos ao local. Foram recusados em todos os restaurantes e casas de chá, sob a justificativa de tudo pertencer a Bunzaemon. Sequer despertaram a atenção das prostitutas de rua de categoria inferior, forçados a deixar Yoshiwara sóbrios e frustrados, os bolsos cheios de dinheiro. Ainda foram obrigados a retornar para Edo a pé, pois Bunzaemon alugara todos os barcos, cavalos e palanquins à disposição.
Favorecido pelos deuses
Bunzaemon não era infalível nos negócios, e perdeu boa parte da fortuna após o governo contratá-lo para cunhar moedas, empreitada que se mostrou um fracasso colossal — as moedas eram de qualidade tão baixa que circularam por apenas um ano. Em seguida, se aposentou. Anos depois, espalhou-se o rumor de que morrera na pobreza — mentira, o comerciante apenas achou que o boato renderia boas histórias.
Bunzaemon viveu confortável até o fim, bem-estar proporcionado pelos tantos aluguéis decorrentes das suas incursões passadas na construção civil.
Título: Kinokuniya Bunzaemon zo 紀伊國屋文左衛門像
Artista: Kurihara Nobumitsu 栗原信充 (1794-1870)
Título: Kinokuniya Bunzaemon no shozo 紀伊国屋文左衛門の肖像 (década de 1800)
Artista: Utagawa Toyokuni 歌川豊国 (1769-1825)
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