É noite. E coloca noite nisso. Uma dupla de artistas itinerantes formada por um cantor e uma musicista avança pelo caminho, tanto físico como espiritual.
Originário do instrumento musical chinês sanxian 三弦, o shamisen 三味線 apareceu no Japão no final do período Muromachi 室町時代 (1333-1573), vindo das ilhas Ryukyu 琉球諸島 (atual Okinawa 沖縄), onde era conhecido por sanshin 三線. O shamisen é constituído por três cordas de seda, um longo braço e corpo de madeira, recoberto originalmente por pele de cobra, mais tarde substituída por couro de gato.
Mas veio o samba. E com o samba veio a cuíca. E para a cuíca o malandro descobriu que o couro mais forte e harmonioso é o do gato. Laçando o animal, fazem-lhe dois cortes nas patas dianteiras. Sopram-lhes os cortes com canudos de mamoeiro. E o gato, morto e cheio de vento, fica como uma bola. Então é só dar um talho reto da goela ao fim do ventre, e o couro sai todo. Dentro de oito dias é uma cuíca vibrando surda no samba de tão singular emoção. Aquele couro facilmente retirado e posto ao sol continua a nostalgia de bicho trucidado que vem formar a melodia dos que se divertem sem pensar na matéria-prima que era aquele companheiro contemplativo, e também cantor nas horas mortas.
Orestes Barbosa (1893-1966), Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores.
Inicialmente utilizado por contadores de histórias itinerantes, o shamisen acabou por se transformar em instrumento obrigatório em celebrações nos grandes centros urbanos, em especial entre as gueixas 芸者. Podia ser tocado por homens e mulheres, sozinho ou na companhia de outro shamisen, e era responsável pela trilha sonora de peças dos teatros nô 能 e cabúqui 歌舞伎.
Imagem: Ukiyobushi うきよぶし (década de 1930)
Artista: Takahashi Shotei 高橋松亭 (1871-1945)
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