top of page
c33editora

A solidão do despertar

Durante o despertar, meus amigos deixaram de sê-lo. A solidão era palpável.

No entanto, havia um motivo para tal. Nunca tive muitas amizades, e comecei a me afastar dos demais antes, ao perceber não compartilhar do mesmo caminho. Não me identificava com aquilo que se identificavam. Não sentia a urgência em sempre buscar novidades. Almejava a verdade, respostas para questões mais profundas: qual o sentido da vida, quem sou, o que sou? E essa ânsia, essa fagulha de busca espiritual, conduziu-me à uma estrada longa e solitária rumo ao despertar.

Como resultado, os amigos restantes foram deixados de lado. Não por escolha. Ficou insustentável manter contato com os demais enquanto percebia o entorno sob uma luz completamente nova. Luz que me fez questionar não apenas a natureza dos relacionamentos ou minha própria natureza, mas a natureza da realidade em si. Começava a enxergar para além da ilusão individual.

Acreditamos em supostas certezas: hoje é segunda-feira, agora são nove horas, este ano, este mês. As definições são arbitrárias, determinadas de forma aleatória. Mesmo as regras que regem as sociedades não são absolutas. Países e suas fronteiras são circunstanciais. Não significam nada. Não se escoram na realidade.

Comecei a questionar. O uso da linguagem, minha essência. E isso impactou minha interação com os demais. Passei da posição de alguém que se relacionava com outros alguéns, de um passageiro no carrossel incessante da satisfação dos desejos, para o completo abandono de tudo. Era como se a máquina que operava o sistema... Não é que perdesse a energia ou que fosse desligada. A máquina por mim conduzida, programada para seguir sempre em frente, sempre em busca de mais, havia sido removida de mim. Não poderia ser religada ou realocada.

Como resultado, por meses não fiz nada. Literalmente. Permanecia sentado por horas, tentando entender o que acontecera, o que vivenciara, essa certeza profunda e visceral de inexistir separação. Não havia aqui e ali. Não havia o que chamava de eu, tampouco aquele que chamava de amigo ou namorada ou esposa ou filho. Não havia divisão: tudo o que observava era eu e eu era tudo. Não estava no universo, não vivenciava o universo. Eu era o universo e vivenciava a mim.

Ao perceber isso, entendi que tudo o que é perceptível, cada árvore, folha, pedra, caneta, objeto e pessoa emana um zunido e uma aura de similaridade. Quando se observa as fezes de um cachorro e compreende possuir o mesmo brilho dos olhos da pessoa amada ou a beleza do voo de uma ave. Quando tudo parece pertencer. Quando se contempla uma paisagem sem categorizar árvores, sebes, campos cultivados ou edificações, você se despega e enxerga a si mesmo. E sente e reconhece que é simultaneamente tudo e nada.

Isso alterará sua percepção das relações humanas. Porque, no nível mais profundo, um relacionamento é por definição algo que acontece entre dois ou mais indivíduos. Assim, nos estágios iniciais do despertar, quando se vivencia os primeiros insights, você começa a interiorizar a inexistência de separação. Tudo está conectado.

De início, à medida em que os vislumbres tentam ser categorizados pela mente, você se sentirá desorientado. Porque transcende. A mente é um filtro, e tais epifanias independem desse filtro. Contudo, a mente tentará se imiscuir e dar um sentido às coisas: o que isso significa para o insignificante eu, para o ego que ainda se aferra? Você começará a tomar decisões baseadas no conhecimento recém adquirido. E deixará de sofrer, pois conseguirá enxergar através das pretensões, dos fingimentos daqueles empenhados em construir suas identidades, em se provar aos demais, em consumir. Você ultrapassará esse estágio. Não estará mais no jogo. Não que tenha deixado de jogá-lo, apenas se tornou capaz de atinar com as peças, o tabuleiro, a mesa. Nada existe de fato.

No começo, existe o sentimento de solidão, de não pertencimento. É necessário na jornada espiritual. É uma precondição do despertar você se permitir tempo para processar tudo, que conceda à sua faceta humana oportunidade de assimilar. Enquanto isso, se sentirá muito sozinho. Não poderá comentar sobre com amigos. Eles não entenderão. Acharão você louco. Mesmo sua família. Então, você se isolará, preso em pensamentos e em pensamentos sobre os pensamentos. Porém, em algum momento, à medida em que tudo se tornar mais claro, você desabrochará e adquirirá a profunda compreensão de não existirem limites entre você e os demais. Mesmo que não se reconecte com os amigos de outrora, visto que agora os pontos de confluência diferem, não haverá problema. Porque você é tudo o que a vista alcança.

Não se sinta só. Porque, não importa o que faça ou em que estágio do despertar se encontre, você estará sempre, e para sempre, consigo.

 

postagem em parceria com @sunyateaching

7 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Dear Mama

Gratidão

Comments


bottom of page